Apresentação

Paula Guerra e Glaucia Villas Boas

É com  grande  satisfação  que  apresentamos  aos  colegas  cientistas  sociais, pesquisadores  e  professores,  aos  jovens  que se iniciam  na  carreira  e  ao  público interessado no mundo das artes, nas suas singularidades, nos seus trânsitos e nas suas potencialidades, este primeiro número da revista Todas as Artes. Revista Luso-brasileira  de  Artes  e  Cultura. Já  era  tempo  de  dar  visibilidade  às  múltiplas  facetas dos   espaços   de   criatividade   artística,   contemplando   em   uma   publicação internacional os resultados de investigações focadas na produção sociológica luso-brasileira,  mas contando  também  com  a  contribuição  de  pesquisadores  de  outras disciplinas e de outras regiões.

 

Artigos

Como abordar a identidade nacional portuguesa?
Augusto Santos Silva

RESUMO: A  definição  da  identidade  de  um  qualquer  coletivo  social  faz-se  em  dois  planos complementares: o que aproxima os seus elementos constitutivos numa certa unidade, fazendo-os parte de uma mesma totalidade; e o que distingue a totalidade assim formada das outras com que efetiva ou virtualmente se relaciona. No primeiro plano está em causa a formação de um nós; no segundo, a sua distinção face aos outros, face a eles. Neste artigo, enunciado de modo a captar o sentido da representação de uma identidade nacional portuguesa, procuramos mostrar o que faz de  todos  nós  portugueses  e  o  que  faz  de  nós,  portugueses,  distintos  de  espanhóis,  franceses  e restantes.  Para  tal, mobilizaremos  a  análise  social  das  estruturas  e  das  representações;  e  o  seu cruz amento com essa forma específica de representação (no sentido mais amplo da palavra) que é a criação cultural.

Palavras-chave: identidade, identidade nacional, Portugal, criação cultural

 

Feminisations of artistic work: Legal measures and female artists’ resources do matter
Marie Buscatto

ABSTRACT: While all  legal  and  formal  barriers  limiting  women’s  access  to  art  worlds  have disappeared in democratic countries, getting access to artistic work, maintaining oneself in one’s art world,  and  being  recognized  as an  artist  remain more  difficult  for  women than  for  men in  all observed art worlds whether dominantly ‘masculine’, nearly mixed, or ‘feminine’. Recent empirical research  has  identified  several  key  social  processes  which  cumulate  over  time  to  produce gendered  differences  between  women’s  and  men’s  career  paths  in  democratic  societies.  But research has also shown that female artists do get more and more access to artistic work and to artistic recognition over time, thanks to several resources which they, consciously or not, use to do so.

Keywords: artistic work, feminisation, gendered differences, art worlds

 

Arte e contemporaneidade: três críticos nos anos 1960
Pedro Erber

RESUMO: O  texto  propõe  uma  abordagem  das  ideias  de  contemporaneidade  e  de  arte contemporânea a partir da obra de três críticos que se propuseram a pensar as transformações da arte  nos  anos  1960,  questionando  a  temporalidade  inerente  à  obra.  Assim,  Erber  busca,  nas intervenções  de  Michael  Fried,  de  Mário  Pedrosa  e  de  Miyakawa  Atsushi,  pistas  e  possíveis contribuições ao debate atual sobre a contemporaneidade da arte contemporânea e, em sentido mais  amplo,  à  disputa  filosófica,  cultural  e  política  em  torno  do  significado  mesmo  do contemporâneo.

Palavras-chave: arte contemporânea, Michael Fried, Mário Pedrosa, Miyakawa Atsushi, anos 1960

 

‘Musiques, présentez-vous!’ Une confrontation entre le rap et la techno
Antoine Hennion

RÉSUMÉ: Cet article reprend les réflexions collectives d’un séminaire sur l’écoute conçu à partir de dispositifs expérimentaux. Considérant la musique comme un résultat incertain, dépendant de ce qu’en  font  ses  amateurs,  nous  faisions  de  l’auditeur  un  expert  sur  la  nature  même  de  ce  qu’il écoute. Le texte se fonde sur une séance qui comparait le rap et la techno à partir de la façon dont en situation, ces musiques se présentent elles-mêmes à et par leurs amateurs. Elles sont en effet déjà très fortement accompagnées de discours sociaux: jeunesse, révolte, immigration, banlieue, violence,  fête,  drogue,  etc.  Montant  une  experience  collective:  sur  un  mode  pragmatique,  nous voulions voir se combiner et se co-construire les éléments divers, discursifs et gestuels, corporels et musicaux, scéniques et idéologiques qui «font» le rap ou la techno – en particulier sur le plan du genre, de la violence, des médias.

Mots-clés: pragmatique de goût, médiation, amateurs, rap, tecnho

 

Da passividade à luta política: a classe trabalhadora no cinema documentário brasileiro de 1960 a 1980
Rodrigo Oliveira Lessa

RESUMO: Neste artigo, analiso as representações desenvolvidas no documentário brasileiro entre o início dos anos 1960 e os meados dos anos 1980, que abordaram as formas de pensamento, as lutas  e  o  modo  de  vida  de  frações  do  proletariado  no  país,  a  partir  de  quatro  obras: Viramundo (1965) de Geraldo Sarno; A opinião pública (1968) de Arnaldo Jabor; ABC da greve (1990) de Leon Hirszman; e Cabra marcado para morrer (1984) de Eduardo Coutinho. Através de uma abordagem dialética e materialista da arte, argumento que a classe trabalhadora não foi apenas um dos objetos fundamentais  do  documentarismo  brasileiro  daquele  período,  mas  uma  referência  por  meio  da qual  este  gênero  desenvolveu  novas  formas  de  expressão  da  realidade  social  no  âmbito  da cinematografia brasileira.

Palavras-chave: representação, cinema brasileiro, cinema documentário, classe trabalhadora

 

Indústrias culturais e criativas em Portugal: um balanço crítico de uma nova ‘agenda’ para as políticas públicas no início deste milénio
Pedro Quintela e Claudino Ferreira

RESUMO: Nas  últimas  duas  décadas,  o  debate sobre  o  potencial  da  ‘criatividade’ afirmou-se um pouco todo  o  mundo,  e  muito  em  particular  na  Europa,  tendo  tido  um  impacto  considerável na definição das políticas públicas, especialmente no campo da cultura. Este  artigo analisa, de uma forma abrangente, o processo de emergência e afirmação desta nova ‘agenda’ em Portugal. Uma atenção especial  é dedicada  à inserção  da  ‘agenda  criativa’ nas  diretrizes de  política  públicas,  à escala nacional e local, em matérias relacionadas com a cultura e áreas afins. O objetivo é procurar compreender  os  principais  contornos  desta  nova  retórica  e  o  seu  impacto  na  formulação  de medidas e de instrumentos de política pública. Além disso, reflete-se sobre os principais impactos e resultados da ‘agenda criativa’ nos sistemas culturais e económicos do país, identificando alguns dos principais desafios e dilemas atuais da ‘agenda criativa’ em Portugal.

Palavras-chave: indústrias  culturais  e  criativas, políticas  culturais, investimento  público, Fundos Estruturais U.E.

 

O Boi em dois tempos. O Bumba-meu-boi em Mário de Andrade e o Bumbá de Parintins na Amazónia hoje
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti

RESUMO: Esta  “conversa  de  Boi” articula  o  estudo  das  ideias  de  Mário  de  Andrade  relativas  ao Bumba-meu- Boi, formuladas nos anos 1930, à breve análise do Festival dos Bumbás de Parintins, Amazonas,  nosso  contemporâneo.  No  contexto  do  ensaio  do  autor  intitulado  “As  danças dramáticas no Brasil”, o Bumba-meu-boi ganhou notoriedade e as ideias ambivalentes expressas a seu  respeito  influenciaram  de  modo  marcante  os  estudos  subsequentes.  Discuto  criticamente essas formulações e sua influência de modo a demonstrar a circularidade cultural existente entre os  estudos  das  expressões  populares  (os  estudos  de  folclore  majoritariamente)  e  a  própria dinâmica viva de tais expressões. Ao mesmo tempo, a vigorosa contemporaneidade do Bumbá de Parintins  indica,  ao  contrário  da  previsão  pessimista  de  Andrade,  a  grande  inventividade  das tradições populares.

Palavras-chave: Bumbá de  Parintins, Bumba-meu-Boi, Mário  de  Andrade,  estudos  de  folclore, expressões culturais populares

 

Registos de Pesquisa

Sons para lá do palco. Estratégias para a gestão de carreiras DIY na cena musical independente portuguesa
Ana Oliveira

RESUMO: A  análise  que  aqui  desenvolvemos  assenta  numa  perspetiva empreendedora  dos músicos,  protagonistas  de  uma  lógica  de  mobilização  de  diferentes  competências  e  de  papéis complementares.  Baseia-se  num  dos  valores  centrais  da  subcultura punk,  o ethos DIY,  que  aqui surge  como  um  novo  padrão  de  promoção  da  empregabilidade,  permitindo  gerir  a  incerteza associada  à  construção  de  carreiras  na  música. Adotando  uma  abordagem  DIY  das  carreiras musicais,  procuramos  compreender  de  que  forma  os  músicos  e  os  diferentes  atores  da  cena musical independente portuguesa constroem as suas carreiras. É possível viver da música? O que significa ser músico em Portugal hoje em dia? Que estratégias são mobilizadas? Existem diferentes tipos de carreiras e diferentes maneiras de ser músico? Até que ponto o ethos e a praxis DIY estão presentes? Estas são algumas das questões que nos propomos responder com base nas entrevistas semiestruturadas que  realizámos  com diferentes  atores da cena  musical  independente  das  áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Palavras-chave: carreiras na música, DIY, cena de música independente, gestão de carreiras

 

Recensões/Resenhas

Ética, estética e dimensões da existência no cinema, de Eduardo Coutinho
Pérola Mathias

A  coleção Cinema  em  Livro da  editora Sette  Letras deu  início  à  série Eduardo Coutinho  “visto  por”, lançando  quatro  livros,  organizados  por Eliska  Altmann  e Tatiana  Bacal, em  2017. O  projeto  editorial  reúne  diferentes  cientistas  sociais, cineastas e profissionais do cinema para escrever sobre a obra do cineasta brasileiro morto tragicamente em 2014, aos 80 anos. Cada livro recebe como título o nome de um  filme  documentário  de  Coutinho,  prevendo-se  a  publicação  de  19  obras. Os quatro  primeiros  livros  põem  em  foco  os  seguintes  filmes: ÚltimasConversas, comentado  por  Jordana  Berg,  Consuelo  Lins  e  Carlos  Nader; Cabra  marcado  para morrer, com  textos  de Leonilde  Sérvolo de  Medeiros  e  Flávia  Castro; Seis  dias  de Ouricuri,  resenhado  por  João  Marcelo  Ehlert  Maia  e  Simplício  Neto;  e  finalmente Jogo de Cena, analisado por  Isabel Penoni e Sandra Kogut.