Apresentação

Paula Guerra

Um dos propósitos desta revista, e este número prova-o cabalmente, é realçar as profundas mudanças que vão marcando o campo das artes nesta modernidade radicalizada. As mudanças são tantas e os efeitos tão profundos que, em certos momentos, se torna difícil acompanhar. Chamemos-lhe sociologia da arte ou sociologia da cultura (Heinich, 2010); o que se constata é uma revolução coperniciana e é precisamente disso que pretendemos dar conta nesta introdução.

 

Artigos

Do Smurf ao ballet. A invenção da dança hip-hop
Roberta Shapiro

Como é que uma brincadeira de miúdos, chamada smurfs, que chegou a França vinda dos Estados-Unidos no início dos anos 1980, progressivamente deu origem a um novo género coreográfico apelidado de dança hip-hop? O artigo descreve essa transfiguração: da conjugação de diversos microprocessos descontextualização, organização, profissionalização, singularização, intelectualização) emerge o macroprocesso da artificação dessa brincadeira. Vários dançarinos de hip-hop, na maioria filhos de empregados nos serviços e operários imigrantes, formaram-se nos anos 1980-1990 nas convenções de dança de palco erudita e organizaram-se em companhias. Foram subsidiados pelas autoridades públicas. Surgem alianças entre uma multiplicidade de atores sociais: jovens hip-hoppers, trabalhadores sociais, funcionários públicos, diretores de teatro, coreógrafos estabelecidos, jornalistas, etc. Estabeleceu-se um mundo da arte da dança hip-hop, precoce e relativamente estruturado, enquanto as competições em grande escala, sobre a forma de battles, só ganharam relevo desde os anos 2000. De forma paradoxal, existe uma interdependência dinâmica entre estes dois setores, entre os quais circulam pessoas, valores, técnicas e estéticas.

Palavras-chave: Smurf, dança hip-hop, artificação, ballet, battles

 

Quero uma festa punk! Notas sobre eventos organizados por punks na periferia da cidade de São Paulo
Maria Celeste Mira e Edsnon Alencar Silva

O objetivo deste artigo assenta na apresentação dos resultados de uma investigação realizada sobre a organização de eventos punks na cidade de São Paulo, em particular os realizados na zona norte da capital paulista. Nosso foco recaiu em compreender como estas produções ocorrem ininterruptamente desde o final dos anos 1970. Apontamos que este tipo de empreendimento obtém o seu sucesso a partir do do it yourself (DIY), lema absorvido como ética pelo movimento punk, ou seja, uma prática cultural que valoriza a autogestão e organização coletiva das mostras de bandas. Por ser adaptável em termos de contextos culturais e temporais distintos, possibilita o fortalecimento de laços de pertença e partilha de modos de ser e estar no mundo entre os punks da capital paulista.

Palavras-chave: punks, DIY, sociabilidade juvenil, São Paulo

 

Desafiando la noche neoliberal: el ocio nocturno como mecanismo de inclusión y bienestar social en Europa
Jordi Nofre

A pesar de su relevancia económica, social y cultural, en gran parte de las ciudades europeas el ocio nocturno se caracteriza por una elevada presencia de desigualdades de diferente naturaleza. Este artículo teórico explora cómo ‘la noche’ exacerba los procesos de exclusión, marginalización y criminalización de jóvenes (no blancos) de clase trabajadora en la ciudad neoliberal. El artículo finalizará proponiendo el desarrollo pleno del ocio nocturno como uno de los mecanismos más eficientes (y aún hoy inexplorados) de inclusión y bienestar social en estos tiempos presentes de incertidumbre global y desafíos sociales críticos.

Palabras-claves: ocio nocturno, juventud, exclusión, inclusión, ciudad neoliberal

 

Música dançada a dois. Para um balanço histórico da relação festival-cidade
Paulo Nunes

Este ensaio desenvolve uma abordagem histórica sobre a origem dos festivais contemporâneos e a sua relação com as cidades, discutindo de que forma esse processo pode dar conta da multiplicidade de dimensões sociais, culturais e políticas envolvidas na constituição dos festivais e da respetiva relação com as cidades. Através de um balanço histórico dos festivais e suas aproximações com a cidade, o presente artigo tem por objetivo elucidar evidências desse encontro por meio de três recortes: (i) seus aspetos rituais e interesses envolvidos; (ii) seus usos como ferramenta para a construção de nacionalismos; (iii) suas funções para a definição de novas elites e invenção da “alta cultura”. A panóplia de autores utilizados para sustentar os conceitos apresentados dar-nos-á a dimensão de todo o trabalho de revisão bibliográfica executado. Diferentes contextos e festivais ilustrarão recortes e cadeias de sentido para compreendermos possíveis significados da celebração pública na sociedade contemporânea, fazendo com que novas histórias permaneçam em aberto, à espera de novas enunciações

Palavras-chave: festivais, história urbana, cidades, controlo social, cultura

 

O patrimônio prisional: estética do sofrimento, fetiche e reflexão
Viviane Trindade Borges e Myrian Sepúlveda dos Santos

A patrimonialização  dos espaços prisionais tem trilhado caminhos  controversos. De um lado, apagamentos coadunam com  um passado transmitido de forma fetichizada. De outro, observamos tentativas de  provocar a reflexão  social  frente  aos  problemas  que  envolvem   a experiência de  encarceramento. lntencionamos, aqui,  analisar  dois  aspectos  a respeito  deste embate: o primeiro, remete  para  a estetização  do  sofrimento atrelada  a alguns  processos  de monumentalização que tornam  o patrimônio prisional objeto  de fetiche  e vazio de significados; o segundo, desvela exemplos  em que os caminhos  trilhados  pelo patrimônio e suas opções de transmissão do passado, permitem e/ou instigam a empatia e a conexão como presente.

Palavras-chave: cárcere, prisão, patrimônio cultural

 

Museus, cidades e crítica institucional: o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona e o Museu de Arte do Rio em análise comparativa
Sabrina Parracho Sant’Anna

Este artigo é resultado de pesquisa comparativa entre a fundação do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona e o Museu de Arte do Rio e procura entender em que medida os processos de multiplicação de instituições de memória e centros culturais,  ao contribuir para a construção de imagens de cidades globais, têm provocado consequências não previstas por urbanistas e policy makers. Procuro discutir como a materialidade de novas instituições museais em espaços específicos da cidade pode ter dado contornos muito particulares a um certo conjunto exposições e a novos paradigmas na arte contemporânea, com especial atenção para a crítica institucional

Palavras-chave: Sociologia da Arte, Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, Museu de Arte do Rio, crítica institucional

 

Registos de Pesquisa

Vozes do Cerco. Modos de apropriação, simbologias e identidades culturais face ao espaço habitado
Sofia Sousa

A análise desenvolvida tem como base o pressuposto de que viver, habitar e usufruir de um espaço tem um impacto significativo nas trajetórias, rumos e identidades pessoais e coletivas. Atendendo ao facto dos bairros sociais periféricos possuírem condições específicas, singulares e identificativas, procuramos compreender qual a extensão da influência (ou ausência dela) dos processos de exclusão social nas histórias de vida das mulheres do Bairro do Cerco. Assim, será possível estabelecer uma caracterização e mapear um segmento populacional, nomeadamente as mulheres desse território? E ainda, como será que estas se auto representam e são representadas por outros? Estes são alguns pontos basilares da pesquisa, bem como a noção da necessidade de auscultação das populações como elemento fulcral na intervenção.

Palavras-chave: exclusão social, identidades, mulheres, bairro

 

Recensões/Resenhas

A cena do rock underground americano na década de 1980 e a quinta dimensão do punk: uma resenha do livro Nossa banda podia ser sua vida
Pedro Menezes

Acaba de ser lançado no Brasil Nossa Banda Podia Ser Sua Vida: cenas do indie underground americano 1981-1991, livro de Michael Azerrad que, como o subtítulo explicita, aborda o rock independente norte-americano dos anos 1980. A obra, originalmente publicada em 2001, chega às mãos do público lusófono com o carimbo da editora Powerline: Music and Books e com a tradução de José Augusto Lemos e Marina Melchers. Analisando o texto pelo prisma de algumas teorias da sociologia da cultura, esta resenha tem por objetivo apresentar essa tradução aos leitores brasileiros e portugueses, ressaltando as potencialidades e limites desse clássico instantâneo da crônica musical mundial.