Dentro das brumas do tempo. Considerações preliminares acerca do antes, do durante e do pós pandemia nas artes e na sociedade
Paula Guerra, Lígia Dabul
Por entre as brumas e a atualidade de uma memória. É assim que vivemos há mais de um ano. Por um lado, temos a sombra daquela que era a nossa “normalidade”: a neblina de uma série de condições, de vivências e de existências que tomávamos como garantidas e que, repentinamente, desapareceram. Por outro lado, temos uma atualidade que parece passar sem se vincular a nós, quase como se de uma névoa se tratasse. Vivemos numa quase dicotomia de uma atualidade-passado que decorre sem nos darmos conta porque não a vivemos na totalidade. A primeira leitura dos artigos que integram este Volume derradeiro de 2020 leva-nos a este sentir. Todos os artigos – interessantemente – cruzam o presente e o passado, bem como uma condição de outsider de vislumbre face a ambos.
Contributions to the debate on the agendas of the social economy in the culture or Turkey
Cihan Ertan
ABSTRACT: Globalization of the economy and the dynamics of the market mechanism have brought about numerous problems for both individuals and society in general. Environmental problems, lack of sufficient information being conveyed between market and consumers, lack of information concerning the processes of producing etc. are the examples of the problems that are brought about by the market mechanism. Alternative economic practices are being constituted by individuals in various forms of association such as collectives, entrepreneurs etc. in order to cope with those problems mainstream capitalist economy caused through creating social values for the common good. The concept of solidarity economy is being adopted in the article in order to indicate these alternative economic practices; and the main of this article is to shed light on the solidarity patterns of the activities relied on nonmainstream economy within the scope of some cases in the light of four cases from Turkey.
Keywords: solidarity economy, nonmainstream economy, social value, alternative economy.
Dançar o Zen. Aprendizado e poéticas de um processo
Andrea Copeliovitch
RESUMO: Este artigo discorre sobre um processo experimental que relaciona zen budismo, Antonin Artaud, Jerzy Grotowski e as danças brasileiras (bumba-meu-boi, cavalo marinho e coco) revistas a partir do estudo de um corpo simbólico proposto por Graziela Rodrigues – tendo como exemplo a coreografia O Touro e O Vazio, baseada no conto budista, O Monge e o Touro (da Monja Coen Roshi e de Fernando Zenshô Figueiredo). A coreografia é atravessada por elementos de ritos zen budistas, estética de anime japonês e danças oriundas do norte e nordeste brasileiros organizadas a partir de técnicas do teatro, onde o impulso em direção à ação física é o ponto de partida da partitura. Esse encontro de técnicas e de aprendizados traduz a história do corpo que dança. A bailarina, a praticante zen budista e o touro se encontram no movimento circular da poiesis, sempre em busca de um acontecer poético.
Palavras-chave: processo criativo, corpo simbólico, zen budismo, acontecer poético
Intervenção social pelas/através das artes. Predisposições, desafios e propostas
Salomé Uribe
RESUMO: Partindo de uma lacuna bibliográfica sobre pessoas que intervêm socialmente pelas ou através das artes, sem o cânone académico, cruzaram-se a sociologia da cultura e a sociologia das artes num trabalho de investigação sociológico. Desse cruzamento, resulta a inspiração metodológica das biografias singulares dos/as artistas, para considerar-se o trajeto social dos indivíduos como a variável explicativa/interpretativa dos seus modos de intervenção social através das artes. Recorrendo à (re)construção de quatro histórias de vida, procuramos perceber que ethos e práticas configuram contemporaneamente intervenções sociais através das artes nomeadamente por meio de espaços do-it-yourself (DIY), de criatividade quotidiana e estratégias de resistência identitária. Quais são as características comuns entre estes agentes de intervenção social? Que predisposições, desafios e propostas podemos apresentar? Assim, e deste modo, tentamos contribuir para a sua conceptualização e reconhecimento.
Palavras-chave: intervenção social, intervenção pelas e através das artes, DIY, criatividade, resistência quotidiana
Mémoire graphique et conflit. La violence de l’ETA dans le neuvième art
Ludivine Thouverez
RÉSUMÉ: Aprs quarante ans de violences ayant entraîné la mort d’un millier de personnes, la fin de l’activité de l’Euskadi Ta Askatasuna (ETA) a ouvert la voie à une résolution pacifique et démocratique du conflit basque à partir de 2011. Neuf ans après, deux principales questions restent à résoudre: celle du statut des prisonniers de l’ETA et celle de la mémoire du conflit. Cette dernire question a non seulement envahi l’espace politique et médiatique, mais aussi celui de la création littéraire, cinématographique et artistique. À partir des apports théoriques de McCloud (1994) et Groensteen (2011) sur le langage de la bande dessinée (BD), et de Catalá Carrasco, Drinot et Scorer (2019) ou encore Delorme (2019) sur la mémoire dans le neuvième art, cet articleanalyse la représentation de la violence au Pays basque dans quatre BD et montre que le conflit armé s’est transformé en conflit de mémoire.
Mots-clés: bande-dessinée, roman graphique, conflit basque, mémoire
Rio de Janeiro e sua herança africana. Histórias contadas por Zózimo Bulbul
Ana Paula Alves Ribeiro
RESUMO: Cineasta e precursor do Cinema Negro no Brasil, Zózimo Bulbul constrói arquivos, registra a memória e retira o véu de uma cidade escondida até então, ao mesmo tempo em que aponta suas potencialidades e dilemas. Este artigo tem como objetivo analisar as histórias contadas por Zózimo Bulbul sobre o Rio de Janeiro e sua herança africana, a partir dos seus curtas-metragens produzidos e dirigidos em um período de vinte e cinco anos e antes da criação do Encontro de Cinema Negro Brasil, África, Caribe e outras diásporas: Aniceto do Império –Em Dia de Alforria? (1981, 11’), Pequena África (2002, 14’), República Tiradentes (2005, 36’), Samba no Trem (2005, 18’) e Zona Carioca do Porto (2006, 28’).
Palavras-chave: Zózimo Bulbul, cineastas negros, Rio de Janeiro, Pequena África, resistência.
Entre playas y distopías. Río de Janeiro, ex ciudad capital, y la recepción cinematográfica
Eliska Altmann
RESUMEN: Basado en la recepción de cuatro películas brasileñas, el artículo intenta identificar imaginaciones sobre la ciudad de Río de Janeiro a través de una lente distópica, típica de nuestros días. El análisis comparativo involucra prácticas “crítico-cinematográficas” que conciben una lectura sociocrítica asumiendo que los elementos sociales se encuentran en las obras mismas y también son externos a ellos. Se verificará la crítica de las siguientes películas: Rio fantasia (1957), de Watson Macedo, y Rio, 40 graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos; Rio, verão & amor (1966) y El Justicero (1967), de los mismos directores, consecutivamente. Los documentos destacarán aspectos distópicos tanto en las obras como en sus lecturas, así como en las configuraciones sociales de la época en una relación temporal con el Brasil de hoy.
Palabras clave: Río de Janeiro, cine, distopía, tiempo
Registos de Pesquisas
Comunidades colaborativas, arte e design no quarteirão Miguel Bombarda, Porto
Ana Alves da Silva
RESUMO: Neste registo de pesquisa pretendemos analisar o cruzamento das indústrias culturais e criativas, dos projetos independentes e micro negócios locais, das comunidades colaborativas, da arte e do design que se geraram no Quarteirão Miguel Bombarda no Porto desde a primeira década do século XXI. Tomamos por referência o termo habitus de Pierre Bourdieu, por constituir a forma humana de perceber, julgar e valorizar o mundo consoante uma forma de agir, resultado da experiência biográfica individual, história coletiva e interação. Apresentamos o marco teórico para um contexto mais alargado sobre a relevância social da arte e do design que ocupam o espaço público da rua. Desenvolvemos uma proposta de reflexão enquanto membro ativo da comunidade do Quarteirão Miguel Bombarda com participação ativa e dentro de seu contexto da vida real. Além do mais, entendemos que é possível pensar o espaço social coletivo e desenhar soluções capazes de intervir diretamente na sociedade.
Palavras-chave: indústrias culturais e criativas, projetos independentes, arte, design.
Ensaio sobre o campo artístico contemporâneo. Johnny Rotten VS John Lydon = KO
Ondina Pires
RESUMO: Uma das figuras que mais se destacou na contracultura punk britânica, no período de 1976 a 1978, foi o carismático vocalista da banda Sex Pistols, Johnny Rotten, o qual bramia vociferante “Anarquia no Reino Unido” ou “Não Há Futuro”. Mal o projeto musical arquitetado pelo falecido Malcom McLaren termina em 1978, Johnny Rotten retoma o nome de batismo, John Lydon, e inícia o projeto musical experimentalista Public Image Ltd, mais conhecido por PIL. Entretanto, volvidos cerca de quarenta e um anos de existência dos PIL, John Lydon, a residir em Los Angeles, EUA, em 2020, tornou públicas as suas opiniões acerca do ex-presidente americano Donald Trump, as quais foram motivo de escândalo e de choque, sobretudo entre os aficionados do punk, na sua maioria, antirracistas e de tendências políticas esquerdistas. Através deste texto, e das ilustrações caricaturais a ele associadas, podemos observar uma trajetória decadente de um músico que, aparentemente, se situa nos antípodas de 1977. Porém, esse volte-faceé legitimado pelas “brechas” políticas e culturais da democracia, sistema este, sempre em perigo precisamente pela sua abertura a visões políticas diferentes e ao contínuo diálogo entre forças ideológicas, muitas vezes, opostas. Com base na dialética “anarquia-fascismo”, os pontos de vista da autora, fundamentados em filmes, canções e pensadores, evoluem ao longo da sua análise. O intuito é abrir portas para análises mais amplas em relação à democracia que não contemplem a visão a “preto e branco” das maiorias relativamente à política atual.
Palavras-chave: contracultura, punk, trajetórias, músico, ideologia
Recensões/Resenhas
As reconfigurações das memórias. Uma resenha do livro Punk, Fanzines and DIY Cultures in a Global World
Gabriel Barth da Silva
A presente resenha pretende discutir o livro Punk, fanzines and DIY cultures in a global world, que possui como editores Paula Guerra e Pedro Quintela. O livro possui um prefácio escrito por George McKay, pioneiro nos estudos das culturas do-it-yourself (DIY), caracterizados por produções de materiais vinculados com expressões subjetivas e/ou artísticas, vinculados, nesse caso, com o movimento punk, pela via dos fanzines, que são objetos feitos em casa, feitos individualmente ou coletivamente, com distribuição limitada. São inclusivos enquanto movimento social, e, como ressalta George McKay, apresentam diversas entrevistas de bandas e identidades gráficas punk, e pelo seu facto cotidiano, aproximavam quem as escreve e produz com quem os consumia.
Mundos artísticos em contínua transformação. Uma resenha do livro Redefining Art Worlds in the Late Modernity
Gabriel Barth da Silva
A presente resenha pretende apresentar o livro Redefining Art Worlds In The Late Modernity, que foi editado por Paula Guerra e Pedro Costa, sendo publicado pela Universidade do Porto. Trata-se de um claro tributo a Howard S. Becker. O livro é dividido em uma introdução e quatro partes, que se subdividem em 14 capítulos, que são, em si, artigos elaborados por diversos pesquisadores de diversas partes do mundo, nomeadamente, de Portugal, do Brasil, do Reino Unido, da Eslovênia, entre outros. O livro busca explorar acerca do conceito art worlds [mundo das artes] concebido por Howard S. Becker (2008), que teve um grande impacto em diversas disciplinas, como a sociologia das artes e na economia da cultura, tendo um valor profundo na contemporaneidade. Serve-se, então, como um tributo ao autor, valorizando a importância do conceito analítico proposto na pesquisa das artes, não percebendo essas produções como projetos individuais, mas como cooperações de um projeto maior, explorando como isso é desenvolvido e transformado na sociedade contemporânea.