Apresentação

Paula Guerra e Lígia Dabul

Diversidade, (i)materialidade e prospetivas sociológicas

 

Artigos

Devemos apelidá-los de estudos cine-culturais? O cine-mundificar da música popular e dos estudos juvenis

Michael MacDonald, João Lima

Este artigo explora a investigação-criação cinemática, ou o que chamo de cine-mundificar. Com efeito, o cine-mundificar tem o potencial de contribuir para uma prática de investigação única para a música popular e para os estudos juvenis, áreas da vida cultural caraterizadas pela sua abertura e inovação com os novos média. Ter consciência destas oportunidades significa aproveitar as tecnologias disponíveis atualmente. Mas existe um obstáculo. A produção cinemática deve juntar-se com a investigação. Os métodos tradicionais de pesquisa cinemática, devido aos seus custos, dificuldades com a revisão de pares e a falta de apoio institucional, não têm sido aceites pela academia. Tem sido a antropologia a ciência que mais tem feito para desenvolver a investigação cinemática através de filmes etnográficos. Os novos desenvolvimentos no ecossistema do cinema digital têm sido pouco explorados até ao momento. O ecossistema do cinema digital, emergente desde 2009, é composto por câmaras digitais relativamente baratas e smartphones, por plataformas digitais grátis de nível profissional, uma rede mundial de festivais de filmes e a transformação da maioria dos cinemas artísticos em projeções digitais. Tal significa que o cinema digital feito num computador portátil pode ser exibido em qualquer lado. Estamos no melhor momento possível para se fazer cinema académico, mas então por que razão os académicos o fazem tão pouco?
 

Identidades, fronteiras e mestiçagens culturais. O caso dos residentes de Gibraltar

Sandra Borges Gilotay e Olga Magano

A construção das identidades é um processo complexo e contínuo que inclui experiências individuais e coletivas. Neste artigo, analisa-se a complexidade cultural e identitária dos residentes de Gibraltar por meio de um estudo exploratório e qualitativo. Trata-se de um território único no continente europeu e com certos vínculos coloniais devido ao seu passado de conquistas de disputas fronteiriças entre Espanha e Inglaterra. Além da comprovação de distintas origens culturais e geográficas, foi possível perceber, uma dinâmica intercultural entre os seus habitantes, em que a pluralidade e a mestiçagem de culturas conjugam um papel importante no processo construtivo e identitário dos seus residentes, permitindo não só uma integração no seu meio social, mas uma reconfiguração de suas pertenças, despertando um sentimento comum de convivência, além do reconhecimento de seus próprios limites culturais.
 

Extrema-direita, xeno-populismo e colonialidade: discursos de ódio e colonização do imaginário no presente

Denise Osório Severo e Paula Guerra

A expansão de movimentos de extrema-direita constitui um fenômeno global que tem se traduzido no surgimento e no fortalecimento de inúmeras organizações, partidos e especialmente na conquista do poder em muitos países da Europa, América do Norte e América Latina. Neste artigo, procuramos dar conta dessas desse fenômeno, primeiramente, através da apresentação e reflexão das diferentes conceções teóricas que têm sido tidas a este respeito, nomeadamente dos distintos conceitos conexos utilizados pela academia, tais como, populismo, fascismo, extrema-direita ou neoliberalismo autoritário. Num segundo nível, vamos focar a nossa atenção na Polônia e Portugal. No caso da Polônia, pelo seu caráter conjuntural reconhecidamente populista, governado desde 2015 pelo Partido Lei e Justiça. No caso de Portugal, pelo seu caráter oposto, sob gestão do Partido Socialista, recentemente reeleito com 60% dos votos, mas que vivencia outrossim fortalecimentos de movimentos de extrema-direita. Respeitadas as particularidades socioculturais e históricas de cada qual, em ambos países eles se expressam tanto no âmbito da sociedade civil como também da sociedade política. Estas experiências revelam contra faces que, apesar das diferenças, sinalizam aproximações com a perspectivado xeno-populismo e podem iluminar a compreensão destes processos. No cenário da Polônia, a adoção de políticas institucionais e legislações contrárias aos migrantes, LGBTQIA+ e demais minorias são notáveis, assim como crescentes manifestos de movimentos de extrema-direita, ambos assentados em discursos de ódio. Por outro lado, o contexto português, ainda que governado por espectro político oposto, também vivencia processos recentes de fortalecimento da extrema-direita. De facto, o partido “Chega”, representante da extrema-direita, obteve o terceiro lugar em recente pleito, marcado por tensões que envolveram discursos de ódio, xenofobia e perspectivas nacionalistas.
 

A música eletrónica ambiental: das primeiras composições musicais e experimentações sonoras às dinâmicas experimentais

Frederico Dinis

Tendo como ponto de partida a definição de Brian Eno para a música eletrónica ambiental este primeiro artigo procura construir uma possível arqueologia deste género com recurso à escolha de um conjunto de autores e de trabalhos, enquadrados desde as primeiras composições musicais e experimentações sonoras do final do séc. XIX e início do séc. XX, até às dinâmicas experimentais, de meados do séc. XX, que desafiam o próprio conceito de música, abrindo assim novos caminhos ao experimentalismo sonoro. A ideia transversal ao desenvolvimento deste género é o de que a música eletrónica ambiental parte de uma tentativa de usar a forma do som como o primeiro plano, ao invés do recurso a vozes melodia ou qualquer estrutura de música clássica ou pop. Mas, apesar da existência de diversas antologias e vários artigos académicos e manifestos sobre a música eletrónica ambiental, este subgénero da música eletrónica permanece tão evasivo e indeterminado, como a sua origem. A música eletrónica ambiental é assim examinada como uma visão entre muitas, como um género e um estilo musical, sendo também discutido o seu aparecimento enquanto termo (ambient) e enquanto música que visa induzir a calma e um espaço para pensar.
 

Novas pedras nos camynhos de Walla Capelobo

Carolina Cerqueira Correa, Malandro Vermelho e Walla Capelobo

Este é um ensaio-encante, uma escrita-reza, caminhada por tempos-espaços, experimentando pensar com. Pensar com a artista e pesquisadora e escritora Walla Capelobo, partindo de matrizes ancestrais de falar e pensar e escrever. Pensar com palavras e corpos e gestos, a escrevivência de ser sujeita de pesquisa, corpa que é e produz conhecimento, na contramão do mundo colonial. Ensaio feito em bando, com seres visíveis e invisíveis, humanos e não-humanos, caminhando entre Congonhas e Matias Barbosa e Juiz de Fora, cidades de Minas Gerais. Nossa proposta coloca nossos corpos em jogo, pois com nossas epistemologias das macumbas, palavra é pensamento, é corpo. Escrever então é movimento, ação. Rever a caminhada de Walla, é rever a caminhada com Walla. Resenhar com Capelobo é conversar com sua corpa e com sua palavra. Com ela rezamos um tempo grande, histórico, cósmico, onde pensar é (re)criar. Experimentamos sua lama, sua terra, sua mata, sua estrada, seu viver. Como? Com. Cocriando com a Nossa Senhora do Rosário, com os Arturos, e outras formas encantadas de atravessar o mundo e criar terreiros de saber e cura.
 

K-pop. Os reflexos do hibridismo cultural na identidade e na música popular coreana

Camila Alonso Milani

O presente artigo procura analisar como o K-pop, (sub) gênero musical nascido na Coreia do Sul, é capaz de retratar reflexos de hibridismo cultural na música pop e na identidade sul-coreana. Para tal, foi realizado levantamento de fatos e dados históricos que demonstrassem a supressão identitária cultural sofrida pelo povo coreano ao longo dos séculos, até a sua consolidação como nação independente. Depois, a partir do contexto pós-guerra, é feita análise da influência norte-americana na trajetória do país na música e na construção de sua cultura pop. Por fim, investiga-se o papel de todas estas interferências na solidificação da identidade sul-coreana, bem como o papel da globalização na instauração da subcultura K-popper e da nova posição do país peninsular perante o mundo.
 

Registos de Pesquisa

Manifesto imagético para futuros possíveis – Um estudo etnográfico do concurso #THEWORLDWEWANT

Diego Soares Rebouças

Sob os auspícios de join the world’s biggest conversationa campanha #UN75apresentou desafios globais contemporâneos em forma de imagens fotográficas. Celebrando os 75 anos de existência/atuação das Nações Unidas, o Agoralançou o concurso #TheWorldWeWant, que motivou os usuários da rede a postarem fotografias que representassem anseios para as gerações futuras. À pesquisa, em andamento, interessa adotar uma etnografia visual/digital que aborde os aspectos de representatividade nas operações sistematizadas do olhar, que passa pelo filtro da cultura. Metodologicamente, trabalharemos na análise das fotografias finalistas do concurso (75 imagens). Por meio da interpretação visual categorizaremos as imagens em grupos temáticos. A hipótese é a de que o concurso seja um sintoma da representação das necessidades globais, expressas por meio dos instrumentos da cultura visual. 
Recensões/Resenhas
Recension of the Marie Buscatto’s Book, Women in Jazz: Musicality, Femininity, Marginalization
Deniz Ilbi
Marie Buscatto is a professor in sociology at the University of Paris 1 Panthéon-Sorbonne in France, and her recently published bookWomen in jazz: Musicality, femininity, marginalizationinvestigates the invisible discrimination against women musicians in the French jazz world and how women have thrived professionally despite these circumstances. The work was first published in French by CNRS Editions in 2007, and later reprinted in paperback, in 2018, with the author’s note “(almost) nothing has changed”.